
Audiência pública na Câmara escancara o impacto da concorrência desleal e alerta: sem defesa comercial, milhares de produtores podem abandonar a atividade
RODOLFO DE SOUZA, Editor-chefe
Brasília foi palco de um alerta claro e urgente para o agronegócio nacional. Na audiência pública realizada nesta quarta-feira, 11 de junho de 2025, na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, lideranças da cadeia produtiva do alho apresentaram dados, depoimentos e projeções que apontam um risco real: o fim da cultura do alho no Brasil, caso não seja renovado o direito antidumping contra o produto importado da China.
A reportagem do 100PORCENTOAGRO acompanhou todos os momentos do debate, a convite da ANAPA (Associação Nacional dos Produtores de Alho), entidade que lidera a mobilização técnica e institucional em defesa do setor.
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Ao longo da audiência, parlamentares, produtores e representantes do setor produtivo foram unânimes: a medida de defesa comercial não é uma escolha política, mas uma necessidade econômica. Sem ela, o produto chinês — vendido no mercado brasileiro a preços subsidiados, com valores que chegam a menos de R$ 9 por quilo — sufoca completamente a produção nacional, que tem custo médio superior a R$ 15 por quilo.
Sem o antidumping, não há futuro para o alho brasileiro
“Não estamos pedindo privilégio. Estamos defendendo o direito de competir em condições justas”, resumiu Rafael Corsino, presidente da ANAPA, em uma das falas mais aplaudidas da audiência.
Uma medida de defesa, não de privilégio
O direito antidumping, como explicaram os especialistas presentes, é um instrumento previsto pelas normas internacionais de comércio. Sua aplicação ocorre quando um país detecta a prática de dumping — ou seja, quando produtos são exportados por valores inferiores aos praticados no mercado interno de origem, criando distorções graves e injustas na concorrência.
No caso do alho, o cenário é nítido: o Brasil consome cerca de 300 mil toneladas por ano, sendo 60% abastecidas por produtores nacionais. Ainda assim, é o segundo maior importador do mundo, mesmo respondendo por apenas 0,4% da produção global. A lógica dessa dependência está nos preços artificialmente baixos praticados por países como a China, que contam com subsídios estatais, mão de obra barata e ausência de encargos tributários.
Essa combinação torna impossível para o agricultor brasileiro concorrer sem amparo legal. “Se o alho chinês continuar entrando nessas condições, inviabiliza completamente a produção nacional”, alertou Rodolfo Molinari, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de São Gotardo e dirigente do Sistema CNA Faemg Senar.
Impacto direto no campo e nas famílias
O setor do alho é responsável por cerca de 300 mil empregos no Brasil, com forte presença em pequenas propriedades, especialmente nas regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, que lideram a produção nacional.
A ameaça, portanto, não é apenas econômica — é também social. “O produtor que não conseguir vender seu alho com preço justo, abandona a atividade. Isso significa famílias inteiras perdendo renda, evasão rural, impacto em toda a cadeia de insumos, transporte e comércio local”, pontuou Clóvis Volpe, assessor jurídico da ANAPA.
Volpe explicou que a renovação do direito antidumping tem base técnica sólida e atende aos critérios exigidos por organismos internacionais. A ANAPA conduziu estudos detalhados para embasar o processo, que segue os trâmites legais junto aos órgãos competentes.
CNA, AMIPA e produtores mobilizados
Durante a audiência, representantes da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e da AMIPA (Associação Mineira dos Produtores de Alho) reforçaram o apoio à renovação da medida. Para Flávio Márcio Silva, presidente da AMIPA, a cultura do alho representa muito mais do que um produto agrícola: “Ela é símbolo de resistência do pequeno produtor, é renda para o campo, é tradição”.
A presença de produtores mobilizados, faixas, camisetas e falas firmes deram o tom da audiência. O setor mostrou que está articulado e atento, disposto a dialogar e a defender seus direitos dentro da legalidade.
O que está em jogo?
A audiência pública cumpriu seu papel: trouxe visibilidade para uma pauta que, apesar de técnica, tem impacto direto na vida de milhares de brasileiros. A mensagem foi clara: sem a renovação do direito antidumping, o Brasil poderá perder sua produção de alho e se tornar ainda mais dependente do mercado externo.
Para quem vive o agro no dia a dia, a luta vai além de um debate jurídico. É a defesa da dignidade de quem planta, colhe e abastece as mesas do país com um dos ingredientes mais presentes na cultura gastronômica nacional.