A cafeicultura enfrenta altos custos e condições climáticas adversas. Estratégias sustentáveis e inovação são essenciais para manter a liderança global
POR GILSON PEREIRA — Com o berço na Etiópia no século IX, o café ganhou o mundo através da Arábia Saudita, chegando ao Brasil em 1727. Desde então, o café tem se destacado em nosso país pela geração de empregos e divisas, tendo papel fundamental em nossa história. Indispensável em reuniões de família, de amigos, de negócios ou até mesmo para ser apreciado sozinha, essa estimulante bebida, segunda mais consumida em todo o globo, tem grande importância para o Brasil, e é muito importante para a nossa economia. Inclusive tem, atualmente, diversas variações de preparo e, com isso, agregação de valor.
O Brasil é o maior produtor mundial com representatividade da produção global por volta de 37%, bem acima do Vietnã (17%) e da Colômbia — com seus 8% e marketing de excelência. Aliás, precisamos humildemente reconhecer esse excelente marketing colombiano e nos espelhar no melhor estilo Juan Valdez, produtor fictício conhecido mundialmente que ajudou a alavancar a valorização do café colombiano, usado como referência na formação de preços na bolsa de Nova York.
Atualmente, os maiores destinos do nosso café são os Estados Unidos e a Alemanha, mas tem chamado muita atenção um gigante que tradicionalmente toma chá: a China, que acordou com muita vontade de tomar café. Segundo o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), o consumo saltou de 335 mil sacas de 60kg em 2009 para uma estimativa de mais de 6 milhões de sacas na safra 2024, crescimento exponencial. Na verdade, é apenas o início, visto que o consumo per capita médio global é de 1,3 Kg por ano, e o consumo Chinês é de apenas 210 gramas. Segundo a Comex do Brasil/Hedge Point, há potencial de aumentar em mais de 6 vezes para chegar ao consumo médio global. É importante lembrar que China e Índia concentram mais de 1/3 da população mundial. Imagine só o momento que outro gigante: a Índia, também acordar sedenta por café. Hoje, o consumo per capita por lá é menor que 100 gramas.
Por outro lado, nos últimos anos, houve situações em diversos países produtores de café como a seca no Vietnã, fazendo os produtores de café começarem a migrar para outros cultivos. E por aqui, nas terras verde-amarelas, situações de alta dos insumos em função de guerras, seca, frio, geada, altas temperaturas e, neste ano, até fogo em várias áreas produtivas.
Produzir tem sido desafiador
De forma geral, todo esse cenário repercutiu com fortes altas nos preços do café nos últimos meses, tendo como ingrediente a mais, para apimentar a receita, as expectativas de alta do dólar.
Trazendo a prosa para nossa situação, enquanto produtores, o momento chega a ser até indescritível. É como se tivéssemos uma passagem de avião para dias de glória — uma euforia no mercado de forma ampla, e, ao mesmo tempo, porém com uma frustração gigantesca porque a grande maioria perdeu o voo por não ter produção suficiente para vender nesses valores, se é que não vai aumentar mais, neste insano mecanismo de formação dos preços pela lei da oferta e demanda, na prática. E a frustração não para por aí: Muitos produtores precisam honrar contratos de volumes de café negociados nas trades e/ou cooperativas para “garantia de preço” de forma fixa, sem participar da alta. Mas espere! Ainda tem mais: Imagine os arrendatários! Como pagar um arrendamento de quase R$ 10 mil/ha sem ter produção?
E o mais interessante, como diz meu estimado pai: “Carneiro acompanha carneiro”. Adivinhe: muitos “investidores” que nunca viram um pé de café, estão eufóricos com os preços atuais e os viveiros não têm mudas disponíveis nem para replantios, tamanha a demanda.
Pensando num cenário futuro de médio prazo — pois esses plantios irão entrar em franca produção em 3 a 4 anos, o ciclo de alta pode se encerrar por possibilidade de formação de estoques, e o investimento para formação de lavouras de café, que não é baixo, deixar muitos aventureiros desavisados com uma enorme dor de cabeça e, é claro, dor no bolso.
Embora eu seja muito otimista, ainda tem um detalhe: as notícias são de possibilidade de crise financeira iminente em nível mundial, como nunca vista antes. Países estão imprimindo moeda — o que não passa de uma história na qual acreditamos, depois que moedas passaram a não estar lastreadas no ouro –, buscando sustentar o insustentável: as dívidas públicas.
Mas vamos lá! Precisamos extrair desse cenário coisas positivas. Não desejo ser o Mensageiro do Armagedon. A melhor direção é sempre a resiliência, senão a anti-fragilidade, no conceito de Nassim Nicholas Taleb, que vejo como além da resiliência, pois trata da capacidade de se fortalecer e evoluir diante de situações adversas e não apenas se adaptar. Portanto, eis o ponto principal: como lidar com esse cenário?
Que tenhamos a capacidade de olhar com sabedoria para o que tem de específico na propriedade e tomar as melhores decisões. Afinal, houve na história da cafeicultura vários e enormes desafios. E, de fato, nos tornamos mais fortalecidos e confiantes superando todos eles.
Desejo a todos boas oportunidades, saúde, sucesso e prosperidade!