Irrigação e comunicação: duas ações aparentemente tão diferentes nos seus significados, que têm em comum, quando bem praticadas, o poder de transformar.
A irrigação tem sido praticada desde os tempos mais remotos, a cerca de 4.500 a.c., e vem promovendo transformações desde então. Com o objetivo de viabilizar a produção de alimentos para as antigas civilizações nas regiões desérticas do Oriente Médio, foi um dos fatores responsáveis pelo surgimento das cidades naquelas regiões. Uma transformação e tanto!
Nesse período, estima-se que a população mundial girava em torno dos 5 a 10 milhões de habitantes (Sim! Milhões. Menos habitantes que boa parte das grandes metrópoles da atualidade) e a fome era uma das causas da baixa expectativa de vida. Já nos últimos duzentos anos, de 1800 até os dias de hoje, a população mundial passou de 1 bilhão para 8 bilhões de habitantes. A fome ainda mata, mas a expectativa de vida média da população é muito maior do que em períodos anteriores. Este crescimento gigantesco, em tão curto período, se deu basicamente devido a mudanças que aumentaram a longevidade e melhoraram as condições de vida da população. Entre as mudanças mais significativas estão a descoberta da penicilina, o surgimento das vacinas e do saneamento básico e… o uso das tecnologias na produção de alimentos.
Dentre essas tecnologias, a irrigação se destaca como a responsável não só pela viabilização da agricultura em regiões de regime hídrico deficitário a produção agrícola, mas também como a técnica que permite a verticalização da produção, ou seja, maior produção por área plantada. Dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) dão conta que a agricultura irrigada ao redor do globo cobre cerca de 20% das terras cultivadas e responde por 40% da produção global de alimentos.
No Brasil, há registro do uso da irrigação desde que ainda éramos colônia de Portugal. Na década de 1970 a irrigação começou a ganhar mais espaço em função de políticas de combate a seca e a implementação de perímetros públicos de irrigação. Mas foi a partir do final da década de 90 que teve um salto considerável, tanto em área irrigada como em avanço tecnológico e investimentos privados. A chegada de tecnologias de aplicação de água importadas de países como Israel, Espanha e EUA e a adequação do uso dessas tecnologias para as condições brasileiras vem transformando a agricultura no país desde então.
A prática da irrigação associada a tecnologias relacionadas ao melhoramento genético e a sistemas de produção adequados à agricultura tropical, possibilitaram a transformação de regiões como o polo Petrolina/PE – Juazeiro/BA, por exemplo, que se tornou um grande produtor de frutas (e até de vinho!). A irrigação também tornou uma realidade a produção de trigo no cerrado (com produtividades expressivas) e o alcance de até três safras anuais, otimizando o uso do solo, dentre uma série de outras transformações.
Ora, então porque a área ocupada com agricultura irrigada ainda se mantém na ordem de 10% da área plantada no Brasil?
Alguns entraves logísticos se apresentam como as principais causas de uma expansão da área irrigada aquém da desejada, entre eles a disponibilidade de energia elétrica, essencial para a operação de sistemas de irrigação pressurizados. Outras limitações apontadas por produtores e técnicos passam por questões relacionadas ao crédito, ao processo comumente lento para a obtenção de licenciamentos e outorgas de uso da água, e à própria disponibilidade de água, pois é fundamental que sejamos responsáveis quanto ao uso desse recurso. Vale ressaltar que, ainda que o Brasil seja um dos países com maior disponibilidade de água do mundo, ela não é distribuída igualmente nas diversas regiões e algumas bacias hidrográficas já enfrentam conflitos pelo seu uso.
E, por fim, existe um outro fator que limita a expansão da agricultura irrigada que é a desinformação, a ser combatida por uma boa comunicação.
A comunicação aqui referida tem duas nuances: uma que diz respeito à necessidade de disseminação de conhecimentos técnicos, a comunicação técnica/acadêmica, que propicia aos irrigantes o conhecimento necessário para a prática de uma agricultura irrigada sustentável; e a outra que trata de desmistificar conceitos enraizados no imaginário da população de maneira geral, aquela que transforma as informações técnicas em uma informação palatável à população e a formadores de opinião, gerando um ambiente mais favorável ao diálogo e à ponderação entre prós e contras da adoção desta tecnologia.
É neste ponto que a comunicação e a irrigação se conectam, com todo aquele poder transformador mencionado no início deste artigo.
PS — Este é o primeiro artigo que escrevo para o 100PORCENTOAGRO. A partir deste nexo Irrigação e Comunicação serão desenvolvidos os temas dos próximos artigos.