
Tema é destaque na edição mais recente da Revista 100PORCENTOAGRO. Alta de pedidos reacende preocupação sobre reputação, crédito e sustentabilidade financeira; especialistas explicam efeitos, limites legais e caminhos alternativos
A recuperação judicial no agronegócio ganha força nas regiões produtivas, como o Cerrado Mineiro. Segundo dados do Serasa Experian, apenas no primeiro trimestre de 2025 foram 389 pedidos de recuperação por produtores rurais pessoa física e jurídica, avanço de 21,5% em relação ao último trimestre de 2024.
A onda de processos, antes comum apenas em grandes grupos industriais, sinaliza reposicionamento do mecanismo dentro da porteira e provoca reação no sistema financeiro.
A análise publicada na Revista 100PORCENTOAGRO destaca avaliações de Ana Paula Rezende Souza, advogada especialista em Direito para o Agronegócio, com atuação em segurança jurídica, gestão ambiental e de pessoas . A autora descreve riscos, limites legais e pontos de atenção associados ao uso da lei no campo.

Prevista na Lei 11.101/2005, a recuperação judicial busca evitar falências por meio da renegociação de dívidas. Após deferimento, o juiz concede 180 dias de suspensão de cobranças e execuções (“stay period”), prorrogável uma vez .
Nesse intervalo, o devedor apresenta plano de pagamento para votação dos credores; aprovação torna o plano obrigatório. Rejeição ou descumprimento podem levar à falência.
Originalmente restrita a produtores registrados na Junta Comercial, a medida foi flexibilizada pelo STJ e consolidada pela Lei 14.112/2020, permitindo comprovação da atividade por outros documentos .
A abertura ampliou o acesso, mas também incentivou uso como simplificação para reequilíbrio financeiro.
Rapidez, limites e tensões: embora legítimo, o recurso enfrenta limitações no campo. Modalidades como alienação fiduciária, dívidas fiscais e operações de câmbio permanecem fora do processo. Créditos rurais com recursos controlados seguem excluídos, conforme arts. 14 e 21 da Lei 4.829/1965 e §7º do art. 49 da LRF.
Para o advogado Eduardo Ribeiro, de Patos de Minas, “a atividade empreendida pelo produtor rural é uma verdadeira indústria a céu aberto”, condicionada por clima, câmbio, insumos e preço de grãos.

Ribeiro afirma que a conjuntura pode compor “a tempestade perfeita”, impulsionando adesões. Ainda assim, reforça que a recuperação deve ser usada com “responsabilidade”.
Um produtor ouvido pela reportagem afirma: “Se não fosse a recuperação judicial, eu já teria perdido tudo.” Outro contrapõe: “Pensei que seria um alívio, mas trouxe mais custos e burocracia.” .
Relatos reunidos apontam impactos diretos:
Ana Paula alerta para uso estratégico da ferramenta como meio de travar cobranças ou ganhar tempo, o que pressiona credores e amplia judicialização. O cenário pode encarecer crédito, gerar instabilidade e arranhar reputação do produtor.
A reação do Banco do Brasil
O crescimento dos pedidos impactou diretamente o sistema financeiro. O Banco do Brasil registrou R$ 12,73 bilhões em atrasos superiores a 90 dias, sendo R$ 2,27 bilhões vinculados à recuperação judicial. Até 7/9/25, monitorava 808 clientes em recuperação, somando R$ 5,4 bilhões.
A pressão levou à declaração pública da presidente Tarciana Medeiros sobre acionar judicialmente escritórios que incentivassem o instrumento em vez de renegociar dívidas. Após reação da OAB, a instituição recuou .
A repercussão está alinhada ao conteúdo da reportagem Eles não terão crédito hoje, amanhã nem nunca mais, diz vice-presidente do Banco do Brasil sobre produtores em recuperação judicial, publicada recentemente pelo portal Agro Pujante. A fala expôs tensão sobre acesso futuro ao crédito por produtores que aderem ao processo.
Caminhos alternativos ao produtor rural: especialistas recomendam avaliação prévia de alternativas, como renegociações extrajudiciais, governança, compliance e planejamento sucessório .
Essas práticas preservam acesso ao crédito, mantêm agilidade e fortalecem reputação.
A recuperação judicial no agronegócio oferece possibilidade de reorganização, mas exige análise técnica. A utilização desordenada pode ampliar riscos financeiros e reputacionais.
Produtores, investidores e demais players observam cenário em evolução. A busca por planejamento e orientação especializada tende a reduzir tensões e preservar competitividade.