Queimadas afetam a qualidade da água, transportando cinzas para rios e lagos. Estudos indicam a necessidade urgente de políticas públicas e educação ambiental
O fogo e a água, elementos que normalmente são vistos como opostos, interagem de formas que impactam profundamente o meio ambiente e a saúde humana. A afirmação é de Eduardo Cyrino Oliveira-Filho, pesquisador da Embrapa Cerrados. Em artigo publicado no portal da Empresa, Oliveira-Filho alerta sobre as consequências do uso inadequado do fogo e seus efeitos sobre os recursos hídricos. Enquanto a água é essencial para a vida, em excesso pode causar desastres como enchentes. Já o fogo, que há milhares de anos é uma ferramenta essencial para a sobrevivência humana, quando mal utilizado pode ter consequências desastrosas para o meio ambiente.
Oliveira-Filho explica que queimadas, sejam naturais ou provocadas pela ação humana, afetam diretamente o ciclo da água. “As queimadas reduzem a umidade do ar, interferindo no regime de chuvas e contribuindo para o aquecimento global”, diz o pesquisador. As queimadas são uma prática comum em diversas regiões do Brasil, particularmente no Cerrado, onde se tornam mais frequentes durante os períodos secos. A ação humana, ao aumentar a frequência dessas queimadas, intensifica os efeitos ambientais negativos.
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O pesquisador destaca, além dos impactos óbvios e visíveis do fogo, como a destruição de vegetação e a morte de animais, os danos menos perceptíveis, como a poluição dos recursos hídricos por cinzas e fuligem. “As cinzas resultantes das queimadas são compostas por elementos químicos presentes nos seres vivos e materiais minerais, que são transportados pelo ar ou pela água da chuva para os rios, lagos e até águas subterrâneas”, explica. Este transporte de cinzas pode comprometer diretamente a qualidade da água e a saúde dos ecossistemas aquáticos.
Estudos conduzidos na Europa e nos Estados Unidos já apontavam os danos causados pelas cinzas dos incêndios florestais sobre a qualidade da água. No Brasil, projetos de pesquisa como o “Queimadas e recursos hídricos no Cerrado: efeitos das cinzas sobre aspectos limnológicos e ecotoxicológicos” (2010-2012) e o “Projeto Cinzas: aspectos motivacionais de uso do fogo e efeitos sobre a água e o solo como subsídios para mitigação dessa prática na agricultura” (2013-2016), ambos liderados pela Embrapa Cerrados e financiados pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq), revelaram a gravidade do problema no bioma Cerrado.
“As cinzas são ricas em macronutrientes como potássio, fósforo e nitrogênio, além de micronutrientes, incluindo vários metais”, afirma o pesquisador. Esses elementos, ao atingirem os corpos d’água, alteram significativamente os parâmetros físico-químicos, como o pH e os níveis de oxigênio dissolvido. O pH da água, quando alterado, pode prejudicar a sobrevivência de muitas espécies aquáticas, enquanto a redução do oxigênio dissolvido limita o crescimento de organismos aquáticos, levando à morte de peixes e outras espécies.
Além disso, o impacto é ainda mais severo em ambientes de baixa vazão, como lagos, lagoas e reservatórios. “Ambientes com pouca movimentação de água são mais suscetíveis às mudanças bruscas nos parâmetros físico-químicos, o que pode gerar a morte em massa de organismos aquáticos e prejudicar toda a cadeia alimentar local”, complementa Oliveira-Filho. Essas alterações nos ecossistemas aquáticos também têm consequências diretas sobre a biodiversidade local, afetando tanto espécies aquáticas quanto terrestres que dependem dessas águas.
Contaminação de aguas subterrâneas e riscos à saúde humana
Outro aspecto relevante mencionado por Oliveira-Filho é o impacto das cinzas sobre as águas subterrâneas, que são uma importante fonte de abastecimento para consumo humano e irrigação agrícola. O pesquisador alerta que a infiltração de elementos químicos presentes nas cinzas, como cálcio e magnésio, pode não apenas comprometer a qualidade da água para consumo, mas também danificar os sistemas de irrigação agrícola. “O acúmulo desses minerais nos equipamentos de irrigação pode comprometer sua funcionalidade, causando prejuízos aos agricultores”, ressalta o pesquisador.
A presença desses elementos na água subterrânea também pode acarretar problemas de saúde para a população que consome água de poços contaminados. Distúrbios digestivos e outros problemas de saúde podem surgir devido à ingestão prolongada de água contaminada por metais pesados ou outros elementos químicos liberados pelas cinzas.
Oliveira-Filho enfatiza o uso inadequado do fogo como um problema que pode ser minimizado com o envolvimento de órgãos públicos e a promoção de políticas educativas e de conscientização ambiental. Ele defende que as comunidades rurais, muitas vezes responsáveis por práticas de queimadas para manejo agrícola, devem ser capacitadas sobre os riscos ambientais e de saúde envolvidos. “A educação ambiental é uma ferramenta poderosa para reduzir o uso incorreto do fogo”, afirma. Segundo ele, iniciativas governamentais podem auxiliar no desenvolvimento de métodos alternativos e mais seguros para o manejo da terra, diminuindo a necessidade de queimadas.
Além das atividades educativas, o combate efetivo às queimadas ilegais também deve ser intensificado. “O uso criminoso do fogo, sem qualquer controle, deve ser combatido de forma rigorosa, com a aplicação de multas e penalidades para infratores”, defende o pesquisador. Oliveira-Filho acredita que a combinação de educação ambiental e fiscalização eficiente pode reduzir significativamente o número de queimadas e, consequentemente, os impactos sobre os recursos hídricos.
A conclusão de Oliveira-Filho é clara: o equilíbrio entre os elementos naturais e as ações humanas precisa ser urgentemente restabelecido. “É fundamental garantir que o uso do fogo seja controlado e que as práticas sustentáveis prevaleçam, de modo a proteger nossos recursos hídricos e garantir a sustentabilidade ambiental”, adverte o pesquisador.
A relação entre o fogo, a água e o comportamento humano é complexa, mas é imprescindível para garantir a sobrevivência das futuras gerações e a preservação do planeta. Os estudos de Oliveira-Filho apontam para a necessidade de ações coordenadas, tanto no campo da pesquisa quanto no desenvolvimento de políticas públicas que assegurem a sustentabilidade dos recursos hídricos e a saúde dos ecossistemas afetados pelo uso inadequado do fogo.
O artigo sublinha a gravidade dos impactos ambientais causados pelas queimadas e a necessidade urgente de soluções práticas e sustentáveis para proteger a água, um recurso cada vez mais escasso e precioso em um mundo sob crescente pressão climática.