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Com mudanças climáticas, Brasil deve ter redução drástica de área para produção de café arábica nas próximas décadas

Brasil tem longa tradição na produção de café (Crédito: Agência Brasil/Roberto Gomes/Reuters)
Brasil tem longa tradição na produção de café (Crédito: Agência Brasil/Roberto Gomes/Reuters)

País pode perder até 75% da área propícia para cultivo de café arábica até 2050, impactando a produção e economia. Mudanças climáticas são a principal causa. Analista de cafeicultura do 100PORCENTOAGRO comenta o cenário

O Brasil, maior produtor mundial de café, enfrenta um cenário preocupante para a produção de café arábica. Conforme o estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Climática da UNESP (Universidade Estadual de São Paulo), a área propícia para o cultivo dessa variedade deve sofrer uma redução drástica nas próximas décadas, influenciada pelas mudanças climáticas.

Segundo o relatório, a projeção aponta para uma redução de até 75% nas áreas adequadas ao cultivo do café arábica até 2050. Serão mais afetadas as regiões tradicionalmente conhecidas pela produção de alta qualidade, como o sul de Minas Gerais e a Mogiana Paulista. “As alterações no regime de chuvas e as elevações na temperatura média comprometem a viabilidade da cultura nessas áreas”, afirmou o coordenador do estudo, professor doutor João da Silva.

O café arábica, conhecido por seu sabor suave e aroma complexo, representa aproximadamente 70% da produção de café no Brasil. A expectativa é que a redução da área cultivável impacte diretamente a economia das regiões produtoras, além de afetar o mercado global de café. “Com a diminuição da produção, poderemos observar um aumento significativo nos preços do produto”, explicou o economista agrícola Marcos Pereira.

O estudo ainda destaca a necessidade urgente de adaptação dos métodos de cultivo e a migração para áreas com condições mais favoráveis. “A transição para áreas mais elevadas ou com microclimas específicos pode ser uma solução para manter a produção”, sugeriu a agrônoma Ana Lopes, coautora da pesquisa. No entanto, Ana ressaltou os desafios dessa mudança, que incluem desde a logística até o investimento necessário para a adaptação das novas áreas.

Os impactos sociais também são uma preocupação. Milhares de pequenos produtores, que dependem exclusivamente da cultura do café, poderão enfrentar dificuldades econômicas. “Será essencial o apoio governamental e a implementação de políticas públicas para auxiliar esses agricultores na transição e adaptação às novas condições climáticas”, completou João da Silva.

Além dos efeitos diretos na produção, as mudanças climáticas também devem influenciar a qualidade do café. As alterações na temperatura e umidade podem afetar o desenvolvimento dos grãos, comprometendo características essenciais do café arábica, como sabor e aroma. “A qualidade pode ser impactada negativamente, reduzindo o valor de mercado do produto”, alertou a agrônoma Ana Lopes.

A pesquisa da UNESP reforça a importância de medidas de mitigação e adaptação frente às mudanças climáticas, destacando a necessidade de um esforço conjunto entre governo, setor privado e produtores. A implementação de tecnologias de agricultura de precisão, práticas de manejo sustentável e o desenvolvimento de cultivares mais resistentes são apontados como caminhos para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.

O Brasil possui uma longa tradição na produção de café, e enfrenta agora a necessidade de se reinventar para garantir a continuidade dessa cultura tão importante para sua economia e identidade cultural. A adaptação às novas realidades climáticas será fundamental para manter o país na liderança da produção mundial de café arábica.

Análise exclusiva

O engenheiro agrônomo Gilson Pereira, analista de cafeicultura do 100PORCENTOAGRO, cafeicultor, consultor e coordenador de pós-graduação em café no Rehagro, fez uma análise sobre as dificuldades enfrentadas pela cafeicultura nos últimos anos. Gilson Pereira destacou que “nas últimas safras, a cafeicultura tem sofrido muito com o clima, seja por chuvas desuniformes, por altas temperaturas ou até mesmo pelos dois fatores em conjunto. Este ano, já há indícios de novas surpresas na safra, e uma confirmação de grãos menores”.

Pereira ressaltou a importância de tecnologias para enfrentar esses desafios climáticos. “A cada ano, torna-se mais evidente a necessidade de utilização de tecnologias como a irrigação, lembrando também que a água disponível para irrigar poderá ser um limitante nas condições projetadas pelo estudo da UNESP”. O analista também mencionou a necessidade de avanços tecnológicos, como “protetores solares e até mesmo micro-organismos de solo que otimizam a planta no aproveitamento da água, além de outras técnicas que facilitem o aprofundamento das raízes das plantas e adaptação dos sistemas de produção a essa realidade”.

A sensibilidade do cafeeiro às condições climáticas foi um ponto destacado por Gilson Pereira. “O cafeeiro é bastante sensível às condições de clima e poderemos observar a movimentação sugerida no estudo da UNESP das áreas de produção de café, como já aconteceu com a geada de 1975, que dizimou as lavouras no estado do Paraná e resultou na migração da cafeicultura paranaense para São Paulo e Minas Gerais”.

Gilson ressaltou que “a natureza é dinâmica e cíclica, mas os eventos climáticos, especialmente as altas temperaturas e má distribuição de chuvas, que vêm acarretando eventos sem precedentes como ocorreu este ano no sul do país, têm se tornado mais recorrentes em menor espaço de tempo”. Para enfrentar esses desafios, Gilson destacou a importância de seguir com a produção, “buscando o menor impacto possível, avançar na retenção de carbono no solo, minimizar os gases de efeito estufa (GEE) e, principalmente, agir e pensar de forma resiliente, se não antifrágil, e de maneira empática com as gerações futuras”. Finalizando, o analista afirma: “Se a cafeicultura pode mudar nos próximos anos, a hora de mudar para melhor é no dia mais importante de todos: hoje”.