Armadilhas mentais na tomada de decisão – e por que um modelo financeiro de longo prazo é essencial

POR LEANDRO CIZOTTO — “Pra mim representa um belo passado, a lida de gado que eu sempre gostei. Assim enfrentando o trabalho duro, e fiz meu futuro sem violar a lei. O saco é relíquia com meus apetrechos – não vendo e não deixo ninguém pôr a mão. Nos trancos da vida aguentei o taco, e o ouro do saco é a recordação.”

A letra de “Saco de Ouro”, de Chitãozinho e Xororó, traduz bem o sentimento de muitos produtores rurais. O respeito pela trajetória, o apego às conquistas e a paixão pelo campo moldam a forma como encaram seus negócios. Mas se a história mostra que esforço e tradição são fundamentais, o futuro do agro exige planejamento. Afinal, um dos maiores desafios do produtor é tomar decisões racionais em um negócio tão carregado de emoção.

… um dos maiores desafios do produtor é tomar decisões racionais em um negócio tão carregado de emoção

É aqui que entra o Modelo Financeiro de Longo Prazo. Usado por financistas para avaliar investimentos, trata-se de uma análise (na maioria das vezes em Excel, mas feito de maneira bastante caprichosa e estruturada) que permite enxergar a dinâmica financeira da empresa rural em um horizonte de pelo menos 20 anos.

Ao projetar investimentos, custos e receitas no tempo, ele revela não apenas a necessidade de caixa, mas também os momentos de maior pressão financeira, a capacidade de retorno sobre o capital investido e a sensibilidade do sucesso do negócio a desvios de cada premissa, seja ela operacional, comercial ou financeira.

Com um modelo bem estruturado, se pode entender como a fazenda precisa operar para atingir objetivos empresariais e pessoais, tomando decisões conscientes. Isso ajuda o produtor a evitar armadilhas mentais que influenciam suas escolhas financeiras. Estudos recentes sobre Finanças Comportamentais mostram que certos vieses de tomada de decisão podem levar a decisões equivocadas. Vamos a alguns exemplos:

• Excesso de Confiança e Otimismo: o produtor pode se tornar excessivamente confiante na sua capacidade de execução e otimista sobre o futuro após boas safras consecutivas. Como apontou recentemente o economista Antônio da Luz, da Farsul, “Produtor quebra em ano bom”. A ilusão de que bons resultados sempre se repetirão pode levar a compra de máquinas sofisticadas demais, expansão descontrolada e ao endividamento excessivo, para citar alguns exemplos.
• Aversão ao Risco e Tendência a Manter: muitos produtores, por outro lado, evitam qualquer risco e se apegam ao status quo. Isso pode resultar, por exemplo, em investimentos insuficientes em saúde do rebanho, qualidade da pastagem ou automação, mantendo o negócio abaixo do seu potencial.
• Efeito “Siga o Vizinho”: quando muitos produtores de uma mesma região ou cultivo tomam determinada decisão, a tendência é segui-los, mesmo sem analisar se a estratégia faz sentido para sua própria realidade. Porém, cada propriedade tem características únicas (solo, topografia, regime hídrico) e o que funciona para uma pode não funcionar para outra.
• Viés do Imediato: muitas vezes, o produtor dá prioridade a decisões que geram resultados rápidos ou são fáceis de serem tomadas e adia reflexões sobre oportunidades mais complexas, mas que poderiam ser mais transformadoras para sua propriedade no longo prazo. Exemplo clássico é o gasto com insumos mais sofisticados de nutrição em vez de avaliar o investimento em uma compostagem de alto nível.

A agropecuária é um negócio de longo prazo. O que se investe hoje dá retorno pleno em não menos do que cinco anos. Mas, em um setor tão arriscado, intenso e apaixonante, muitos produtores tomam decisões no dia a dia se privando de uma visão clara do impacto futuro. A modelagem financeira é fundamental para enxergar o negócio no horizonte adequado e avaliar decisões considerando o impacto no tempo de maneira completa.

Por fim, considero que um modelo de longo prazo deveria ser o primeiro passo para a construção da gestão de qualquer empresa rural. Pois apenas tendo uma visão executiva e de alto nível do negócio, é possível entender as variáveis mais importantes a serem geridas no dia a dia de forma a garantir um controle eficaz, capaz de gerar retorno financeiro efetivo.

Em nosso próximo artigo, falaremos sobre como montar uma Modelagem Financeira de Longo Prazo eficiente e adaptada à realidade do produtor. Até lá, uma boa safra, empresário!

Nota da redação — o autor utilizou as seguintes referências: Otariano Neto (2025), Tese de Doutorado Hugo Garbe (2023) e Tese de Raul dos Santos Machado (2024).