
Medida Provisória 1.303/2025 prevê tributação de títulos isentos e pode reduzir crédito rural, elevar juros, afetar produção e inflação de alimentos
O financiamento da agropecuária brasileira pode enfrentar uma nova barreira. A Medida Provisória 1.303/2025, enviada pelo governo federal ao Congresso, propõe a taxação de 5% sobre os rendimentos de títulos do agronegócio que hoje são isentos de impostos para pessoas físicas. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) avalia que a proposta cria obstáculos à principal fonte de recursos utilizada pelo setor e ameaça diretamente a sustentação da atividade rural.
O vice-presidente da CNA, José Mário Schreiner, classificou a medida como um “fechamento das portas” do crédito rural. “Quando o governo recorre à tributação dos títulos agrícolas para tapar furo de déficit fiscal, ele praticamente fecha as portas do crédito rural”, declarou. Para ele, a sinalização é negativa e compromete a previsibilidade exigida pelo mercado. “O governo dá um sinal ruim ao mercado de quem não está nem aí e não faz o seu dever de casa”, criticou.
O texto da MP propõe a mudança a partir de 2026. A taxação incidirá sobre os rendimentos de Certificados de Depósito Agropecuário (CDA), Warrants Agropecuários (WA), Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Cédulas de Produto Rural (CPR) e Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros), desde que admitidos à negociação em bolsa ou mercado de balcão organizado.
Atualmente, as LCAs representam aproximadamente 40% do crédito rural no país. Esse percentual dá dimensão do impacto potencial da proposta. Na visão da CNA, a mudança retira atratividade dos títulos para investidores, desestimula a emissão desses papéis e reduz o volume de financiamento disponível para o agronegócio. Schreiner relembrou decisão anterior que já afetou a captação: “No ano passado, quando o Conselho Monetário Nacional aumentou de 90 dias para nove meses os prazos das LCAS, já houve uma diminuição absurda nas emissões.”
Apesar de os efeitos formais estarem previstos para daqui a dois anos, a entidade acredita que as consequências já começam a ser sentidas. Isso porque o setor financeiro se antecipa às mudanças regulatórias, influenciando diretamente o desenho do Plano Safra 2025/26, ainda em estruturação. “A tributação afasta os investidores, porque para o mercado é um sinal ruim de que o governo está disposto a qualquer coisa para minimizar o déficit fiscal sem cortar na carne. O mercado quer segurança e previsibilidade e não quebra de confiança”, afirmou Schreiner.
O vice-presidente da CNA também abordou a limitação crescente de recursos públicos destinados à subvenção do crédito rural, em especial nos segmentos médios e grandes da produção. “A cada ano, os recursos para equalizar o Plano Safra são menores e mais direcionados à agricultura familiar. Nesse cenário, os médios e grandes produtores buscam acessar mais os títulos agrícolas. Quando há dificuldade cada vez maior de orçamento para recursos do crédito público para financiamento agropecuário e o governo interfere a colher no mercado privado, ele está fechando as portas do crédito rural.”
Além de restringir o acesso ao crédito, a medida pode aumentar o custo do financiamento no campo, pressionando a inflação de alimentos e comprometendo a competitividade do agronegócio brasileiro no mercado internacional. “É um desestímulo à diversificação de funding e às alternativas de financiamento. O crédito rural ficará mais caro, mais escasso, os juros vão subir e vai reduzir a competitividade do agronegócio, podendo afetar a inflação de alimentos e a geração de divisas ao País”, acrescentou.
Schreiner também chama atenção para os efeitos indiretos sobre a produtividade. Com menor acesso a crédito e custos de produção em alta, o uso de tecnologia tende a cair. “Isso pode pressionar a inflação de alimentos. É uma consequência possível em decorrência do maior custo de produção e do provável menor uso de tecnologia.”
Diante do cenário, a CNA defende que o Congresso Nacional reveja o texto da MP. Schreiner considera a proposta uma “distorção” e uma escolha equivocada do ponto de vista da política econômica. “Há um equívoco muito grande na política econômica do governo ao não buscar enxugamento e sim taxação. Esperamos que o Congresso Nacional retire os trechos ou deixe a MP caducar”, afirmou.
Com forte dependência de instrumentos de mercado para financiar a produção, o agronegócio brasileiro acompanha com atenção os desdobramentos da proposta no Legislativo. A expectativa é de revisão antes que os efeitos comprometam a próxima safra e as bases de sustentação financeira da cadeia agroindustrial.