Com promessa de benefícios econômicos ao Brasil, acordo enfrenta pressões ambientais. Cenário também tem resistência de agricultores europeus
Após mais de duas décadas de negociações, foi anunciado oficialmente, nesta sexta-feira (6), o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Durante a cúpula do Mercosul, realizada em Montevidéu, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, celebraram o avanço. Segundo os líderes, a medida trará benefícios para consumidores e empresas das duas regiões.
Lacalle Pou ressaltou a responsabilidade compartilhada pelos líderes e nações envolvidas. “Não há soluções mágicas, não há nem burocratas nem governos que possam trazer a prosperidade. Essa é uma oportunidade que está em cada um de nós e na velocidade que possamos dar para esse acordo em cada um dos nossos países e na União Europeia”, afirmou. Lacalle defendeu o foco no que une os países, deixando diferenças de lado.
Já Ursula Von der Leyen classificou o tratado como uma “vitória para a Europa” e um acordo “ganha-ganha”. Além de destacar os benefícios comerciais, mencionou medidas específicas para proteger agricultores europeus. “Este acordo incluirá salvaguardas robustas para proteger seus meios de subsistência”, garantiu.
O acordo promete economizar 4 bilhões de euros por ano em taxas de exportação para empresas da União Europeia. A cerimônia contou com a presença dos presidentes do Mercosul, incluindo Javier Milei (Argentina), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e Santiago Peña (Paraguai), além do anfitrião Lacalle Pou.
Impactos no agronegócio brasileiro
O acordo de livre comércio abre novas perspectivas para o agronegócio brasileiro, mas também apresenta desafios significativos. Protestos, boicotes e pressões políticas na Europa refletem as tensões que o tratado gera, especialmente relacionadas às práticas agrícolas e ambientais brasileiras.
Entre janeiro e fevereiro de 2024, agricultores europeus realizaram bloqueios e manifestações em países como França, Bélgica e Alemanha, criticando o acordo devido a preocupações com desmatamento e uso de defensivos agrícolas no Brasil. Em outubro, a Danone cogitou suspender a compra de soja brasileira por questões ambientais, enquanto o Carrefour anunciou que deixaria de adquirir carne brasileira na França. Embora tenha se retratado posteriormente, a medida gerou debates sobre as práticas do agronegócio brasileiro.
Agricultores europeus temem concorrência desleal, alegando que os custos de produção mais baixos no Mercosul, em especial no Brasil, afetam a competitividade de suas mercadorias. Além disso, questões como subsídios agrícolas e normas ambientais mais rigorosas na Europa tornam o tratado motivo de preocupação.
O setor agrícola francês, o maior da Europa Ocidental, expressa resistência devido aos subsídios essenciais para sua competitividade. Sem apoio governamental, muitos produtores temem desaparecer diante da concorrência.
A segurança alimentar também é um ponto de debate. Substâncias químicas proibidas na Europa, mas utilizadas no Mercosul, como determinados defensivos agrícolas, geram receios sobre impactos na saúde pública.
Benefícios econômicos para o Brasil
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) projeta um aumento de 0,46% no PIB brasileiro entre 2024 e 2040, equivalente a US$ 9,3 bilhões. Investimentos cresceriam 1,49%, e a balança comercial teria um incremento de US$ 302,6 milhões.
Setores como o sucroalcooleiro, frutas (manga, açaí, melão), grãos e carnes seriam beneficiados com maior competitividade internacional. No entanto, alguns segmentos industriais podem enfrentar perdas devido à maior abertura comercial.
O impacto ambiental das práticas agrícolas brasileiras é um tema sensível para a União Europeia. Críticos apontam o desmatamento na Amazônia como uma das principais preocupações, pressionando o Brasil a adotar medidas mais rigorosas.
Embora o acordo inclua compromissos com o Acordo de Paris e salvaguardas ambientais, muitos questionam a capacidade brasileira de cumpri-los de maneira efetiva. A rastreabilidade de cadeias produtivas, como as de carne e soja, é vista como uma oportunidade para melhorar padrões ambientais, mas os desafios permanecem.