POR MARIA EMÍLIA ALVES: Que a agricultura irrigada é uma prática que contribui para a adaptação às mudanças climáticas já é de conhecimento de muitos. Esta contribuição se reflete de forma mais clara pela redução do risco climático alcançado pela disponibilização de água aos cultivos em períodos de déficit hídrico ou pela viabilização da agricultura e da pecuária em regiões de baixa disponibilidade hídrica.
As alterações nos regimes das chuvas observadas nos últimos anos vêm gerando instabilidade nos plantios de sequeiro. O atraso do início do período chuvoso provoca, também, o atraso no plantio dos cultivos de verão, que tem a soja como a principal cultura, e, por consequência, atrasa a colheita. Isto, muitas vezes, inviabiliza o plantio da 2ª safra pois já se aproxima do início da estação seca, quando não há mais disponibilidade hídrica suficiente para que as culturas se desenvolvam e alcancem produtividades economicamente viáveis.
A irrigação entra como uma prática adaptativa diante desse cenário, permitindo a antecipação do plantio, ou melhor, que este plantio ocorra no período considerado normal, viabilizando, na sequência, a 2ª safra e, quem sabe, até uma 3ª safra, a depender da região e das culturas plantadas.
Outra razão pela qual a irrigação é considerada uma tecnologia de adaptação às mudanças climáticas é por tornar possível o plantio de determinadas culturas em regiões nas quais estas não teriam sucesso se não fossem irrigadas, citando como exemplo a cafeicultura no cerrado, a vitivinicultura no semiárido e no cerrado, e algumas culturas anuais como o trigo que vem alcançando excelentes produtividades sob irrigação no Brasil Central.
Isto por si só já é um ganho considerável que pode gerar benefícios ainda maiores se pensarmos na mitigação das emissões dos gases de efeito estufa (GEE).
E sobre mitigação é possível vislumbrar diversos aspectos que tem como base a verticalização da produção ou intensificação da produção por unidade de área, seja pelo aumento da produtividade e/ou pelo plantio de mais de uma safra por ano. A verticalização reduz a necessidade de abertura de novas áreas de plantio, evitando o desmatamento, e possibilita uma maior produção de matéria orgânica de raiz que é incorporada diretamente no solo e de parte aérea que, em parte, pode ser incorporada indiretamente, com potencial de aumento da retenção de carbono no solo.
Estudos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa em Interação Atmosfera-Biosfera da UFV (Universidade Federal de Viçosa), apontam para um potencial real de mitigação em áreas sob irrigação. Os resultados apresentados por Dionizio et al. (2020), em artigo publicado na PLoS One, indicam que os estoques de carbono variam conforme o uso do solo com diferenças importantes entre os valores observados em áreas agrícolas irrigadas e de sequeiro.
Outro estudo, este de Campos et al. (2020), publicado na revista Agriculture, analisou o potencial de retenção de carbono em sistemas de produção de sequeiro e irrigados no Cerrado. De acordo com os pesquisadores, o uso da irrigação associado ao manejo adequado das áreas agrícolas pode contribuir para um balanço de carbono mais favorável.
Estes estudos orientaram a recente revisão do Plano ABC+ e tornou possível a inclusão da irrigação entre as SPSABC – ‘sistemas, práticas, produtos e processos de produção sustentáveis’ – nomenclatura adotada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária para designar as tecnologias ABC.
O Plano ABC+ é o Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária com Vistas ao Desenvolvimento Sustentável, que é uma agenda estratégica nacional do governo brasileiro que dá continuidade à política setorial para enfrentamento à mudança do clima no setor agropecuário, com vigência de 2020 a 2030.
Mas, em que a inclusão da irrigação no Plano ABC+ pode ser positiva para o produtor irrigante?
De forma direta, o produtor poderá ter acesso a linhas de crédito e financiamento mais favoráveis no que diz respeito às taxas de juro e prazos. E, para além de todas as vantagens inerentes a adoção da irrigação como o aumento da produtividade, a redução do risco climático, obtenção de produtos de melhor qualidade, geração de emprego, entre outras, o irrigante contribuirá para a redução das emissões de GEE. Desta forma, terá um papel preponderante nos esforços para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e o bem do planeta como um todo, o que poderá imprimir uma imagem positiva ao seu empreendimento e agregar valor ao seu produto.
É importante destacar que, de acordo com as orientações que constam no Plano ABC+, ‘a irrigação não deve ser considerada isoladamente, mas como parte de um conjunto de tecnologias, levando-se em conta os sistemas de plantio, de possibilidades de rotação de culturas, de proteção dos solos, entre outras. Ou seja, deve estar inserida no conceito de Sistemas Irrigados.’
Ainda é necessário o aprofundamento e desenvolvimento de novos estudos focados na caracterização do balanço de carbono no solo na agricultura irrigada comparando com a agricultura de sequeiro e outros usos do solo, nas diversas regiões do país, a fim de subsidiar as políticas públicas e dar mais segurança ao contabilizar sua contribuição para a mitigação.
Lembrando sempre, a adoção da irrigação necessariamente implica em adoção de boas práticas: sistemas de irrigação bem projetados e a adoção de manejo orientado visando sempre o uso eficiente da água.