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Revista3-8

Conflito EUA/Irã amplia riscos logísticos e pressiona custos da safra 2025/2026 no Brasil

Ataques no Oriente Médio acendem alerta sobre fertilizantes e petróleo; Brasil importa 40% da ureia de países da região e já sente efeitos no preço dos insumos

O cenário geopolítico global voltou a pressionar o agronegócio brasileiro. No sábado, 21 de junho, os Estados Unidos, com apoio de Israel, atacaram três instalações nucleares no Irã. A resposta foi imediata: o parlamento iraniano aprovou uma medida que pode resultar no bloqueio do Estreito de Ormuz, rota vital para o transporte de petróleo e fertilizantes. A movimentação afeta diretamente a segurança energética e alimentar no mundo, com reflexos já perceptíveis no campo brasileiro.

Na segunda-feira (23), o petróleo apresentou queda superior a 7%, refletindo a tensão crescente. Segundo Leandro Gilio, pesquisador do Insper Agro Global, o risco imediato está na instabilidade logística. “Fora isso, há o receio de que o conflito avance para outros países da região. Vale lembrar que o Irã se destaca por representar 11% – 15% das exportações brasileiras de milho do Brasil. Caso o confronto se amplifique, o impacto pode atingir outros mercados da região do Golfo, como Emirados Árabes e Catar, que já tiveram bases norte-americanas atacadas.”

No entanto, a maior preocupação recai sobre os insumos agrícolas. Um possível bloqueio no Estreito de Ormuz pode restringir o fluxo de derivados de petróleo e gás, além de fertilizantes nitrogenados. “Somos um grande importador de fertilizantes nitrogenados, com uma grande dependência de ureia, nitrato de amônio e sulfato de amônio. E uma enorme parte dessa oferta exportadora está em países do Oriente Médio que, com base em números de 2023, é responsável por 40% das exportações mundiais. Isso significa que de cada 10 toneladas de ureia que são exportadas no mundo, 4 vem de países do Oriente Médio”, explicou Tomás Rigoletto Pernías, analista da StoneX.

Desde o início do conflito, a produção de nitrogenados no Egito e no Irã está suspensa. Com isso, os preços da ureia já aumentaram 10% nos portos brasileiros, 16% nos Estados Unidos e outros 10% no Oriente Médio. “É como se 1/5 (20%) da oferta exportadora de ureia estivesse ausente do mercado”, avaliou Pernías. Segundo ele, a ausência de oferta é provocada tanto pela paralisação produtiva quanto por uma postura mais cautelosa de fornecedores, que estão retirando produtos do mercado à espera de novas referências de preço.

Esse cenário ocorre no momento em que o Brasil inicia o ciclo de compras para a safra 2025/2026, especialmente para o milho safrinha. Tradicionalmente, as importações de fertilizantes se intensificam no segundo semestre, mas desta vez os preços já apresentam elevação, o crédito está mais caro e os custos de adubação superam os do ano anterior. Pernías revela que os preços atuais no Brasil giram em torno de US$ 430 por tonelada, mas há negociações internacionais a partir de US$ 500. “Até meados de maio, cerca de 21% dos fertilizantes que serão utilizados no primeiro semestre de 2026 foram adquiridos. Isso sugere que nos próximos meses há bastante fertilizante para ser comprado até lá.”

A consultoria Markestrat também acompanha o tema com atenção e destaca que os gargalos logísticos já estavam presentes antes da ofensiva militar. “Ou seja, os gargalos já estavam contratados antes da escalada militar. O ataque dos Estados Unidos não inaugura uma crise logística, ele agrava uma que já estava em curso”, observam os especialistas. Entre os fatores já em movimento estavam o aumento dos fretes, a desaceleração nos volumes atuais e a aproximação do peak season — período do segundo semestre marcado por congestionamentos logísticos no comércio marítimo.

Outro alerta importante é que o fechamento do Estreito de Ormuz, se confirmado, não afeta apenas o Irã. A região é ponto estratégico para países como Kuwait, Catar, Bahrein e Arábia Saudita, todos dependentes da mesma rota. A consultoria avalia quatro riscos centrais:

  1. Decisão política: embora o parlamento iraniano tenha autorizado o fechamento do Estreito, a decisão final cabe ao Aiatolá, líder supremo do país. Caso se concretize, será a primeira vez em 40 anos com um bloqueio dessa magnitude.
  2. Gargalo logístico: o Estreito é vital para o transporte de fertilizantes e combustíveis, com poucas alternativas viáveis na região.
  3. Risco econômico: a China, principal compradora do petróleo iraniano desde 2022, enfrentaria aumento nos preços da commodity. A pressão inflacionária global poderia reacender medidas como elevação de juros pelo Federal Reserve, pressionando economias já fragilizadas.
  4. Escalada regional: há possibilidade de envolvimento de grupos como os houthis, no Iêmen, que podem interferir no Canal de Suez, ampliando o caos logístico vivenciado em 2023. A preocupação também envolve relatos de interferência iraniana em sistemas de navegação via GPS, o que pode provocar acidentes e interrupções, mesmo sem bloqueios formais.

Para o Brasil, o impacto mais visível até o momento é a elevação dos custos de produção para a próxima safra. Mesmo sem uma interrupção efetiva no transporte marítimo, o agronegócio já enfrenta dificuldades. O cenário exige cautela e acompanhamento contínuo de preços, logística e fluxo internacional de insumos, especialmente os nitrogenados.