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O preço do café nas alturas: até onde isso é sustentável?

Café artesanal (Crédito: Wenderson Araújo/Trilux/CNA)
Café artesanal (Crédito: Wenderson Araújo/Trilux/CNA)

POR RHAFAEL MARTINS GONÇALVES — Nos últimos meses, o mercado global de café registrou aumentos expressivos nos preços, alcançando níveis historicamente elevados. As condições climáticas adversas que afetam regiões produtoras essenciais no Brasil e no mundo são a principal razão dessa tendência.

No Brasil, maior produtor mundial de café, a combinação de estiagem prolongada e temperaturas elevadas reduziu a safra de 2024 em 23%. Situação semelhante ocorre no Vietnã, o segundo maior produtor global, que enfrenta sua pior seca em quase uma década, comprometendo severamente a produção. Além disso, a substituição de lavouras de café por outras culturas mais lucrativas tem diminuído a oferta global.

Esses fatores, somados à crescente demanda mundial, pressionam os preços. Em setembro de 2024, o valor do café arábica subiu 70% em relação ao ano anterior. Contudo, a recorrência de safras comprometidas levanta dúvidas sobre a sustentabilidade dessa valorização a longo prazo. Até onde as altas nos preços beneficiam produtores, consumidores e o equilíbrio do mercado?

Maior rentabilidade: com a saca de café ultrapassando os R$ 2.000 em 2024, muitos cafeicultores compensaram perdas anteriores, pagaram dívidas e melhoraram a saúde financeira das propriedades.

A valorização da produção estimulou investimentos em tecnologias como irrigação eficiente, monitoramento por drones e sistemas de inteligência artificial para gestão das lavouras.

O cenário favorável incentivou o aumento das áreas plantadas e a renovação dos cafezais, melhorando a produtividade a médio prazo.

Esses avanços fortalecem a liderança brasileira como maior exportador global e impulsionam o desenvolvimento econômico em polos tradicionais, como Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo.

Desafios, sustentabilidade e perda produtiva: apesar dos ganhos, o setor enfrenta riscos que ameaçam o equilíbrio do mercado:

  • Quebras recorrentes de safra — a baixa resiliência climática continua impactando a produção, com estiagens e geadas recorrentes criando um ciclo de insegurança e redução da oferta.
  • Volatilidade de preços — a valorização atual pode ser temporária. Uma queda abrupta nos preços pode desestabilizar produtores que investiram pesado.
  • Pressão climática — a expansão da produção pode levar à exploração de áreas sensíveis, gerando impactos negativos à produção.
  • Concentração de benefícios — pequenos produtores, responsáveis por 70% da cafeicultura brasileira, enfrentam dificuldades para aproveitar os ganhos devido a custos elevados e restrições de crédito.
  • O crescimento econômico precisa ser equilibrado para evitar desajustes no setor produtivo.

Impacto direto no consumo de café: o aumento no preço do café impacta diretamente o consumidor, tanto no Brasil quanto no exterior:

  • Aumento nos preços finais — nos supermercados, o café moído e embalado teve reajustes de 20% a 30% nos últimos 12 meses. Os cafés especiais subiram ainda mais, com aumentos de até 50%.
  • Cafeterias e serviços — O consumidor que frequenta cafeterias percebeu o impacto. Uma simples xícara de espresso, antes vendida por R$ 5, pode ultrapassar R$ 8, dependendo da região e do tipo de grão.
  • Impacto na demanda — a alta nos preços levou famílias de baixa renda a reduzir o consumo ou buscar alternativas mais baratas.
  • Para contornar os custos elevados, muitos consumidores ajustaram seus hábitos. O consumo migrou dos grãos premium para misturas mais acessíveis ou produtos de menor qualidade. Em alguns lares, a quantidade de café preparada ou a frequência de consumo diminuiu. Produtos como chás, achocolatados e cafés solúveis ganharam espaço como alternativas econômicas.

Reflexo global

No cenário internacional, países europeus e os Estados Unidos também sofrem com os reajustes. Grandes redes de cafeterias repassaram custos, enquanto mercados mais sensíveis, como o Oriente Médio e a Ásia, já registram quedas no consumo.

O atual cenário de alta no preço do café traz ganhos importantes para os produtores, com maior rentabilidade e oportunidades de investimento em tecnologia e expansão. Contudo, os desafios estruturais, como a instabilidade climática, a volatilidade do mercado e o impacto ambiental, exigem planejamento a longo prazo.

Por outro lado, os consumidores, tanto no Brasil quanto no exterior, sentem o impacto da valorização, ajustando seus hábitos e priorizando produtos mais acessíveis. A perda de consumo, somada às pressões climáticas, torna urgente o debate sobre a sustentabilidade do mercado cafeeiro.

Encontrar um equilíbrio que garanta preços justos e sustentáveis para os produtores, sem inviabilizar o acesso dos consumidores ou comprometer a estabilidade global, é essencial. A harmonia entre valorização, acessibilidade e práticas sustentáveis será decisiva para o futuro do café como símbolo econômico e cultural.