Média no interior de São Paulo passou de 80 focos por hora. Minas Gerais também enfrenta uma situação crítica
Nos últimos dias, o Brasil tem enfrentado uma grave crise ambiental com incêndios de grandes proporções devastando tanto o estado de São Paulo quanto Minas Gerais. As consequências têm sido vastas, impactando negativamente o meio ambiente, a saúde pública e a economia. Em São Paulo, o prejuízo estimado chega a R$ 1 bilhão, afetando diretamente milhares de produtores rurais e gerando uma série de consequências ainda incalculáveis.
No estado de São Paulo, os incêndios que atingiram 144 municípios deixaram um rastro de destruição sem precedentes. Segundo a Secretaria de Agricultura e Abastecimento, 3.837 propriedades rurais foram atingidas e mais de 2.300 focos de incêndio foram registrados em apenas três dias, fazendo deste o agosto com mais focos no estado desde 1998. O governador Tarcísio de Freitas destacou a gravidade da situação e afirmou o compromisso do estado em avaliar os prejuízos e prestar apoio aos afetados. “O que aconteceu tem um efeito devastador. Vamos avaliar os prejuízos junto aos produtores e sindicatos rurais e entrar estendendo a mão. O agronegócio é fundamental para o estado”, afirmou.
O Secretário Nacional de Proteção e da Defesa Civil, Wolnei Wolff, apontou que 99,9% dos incêndios foram causados por ação humana, sugerindo que o número elevado de focos em um curto espaço de tempo pode indicar uma ação orquestrada. Embora quatro suspeitos tenham sido presos, as investigações ainda estão em andamento para determinar a extensão da responsabilidade.
Enquanto São Paulo lida com os impactos devastadores dos incêndios, Minas Gerais também enfrenta uma situação crítica. No sábado, dia 24, o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) conduzia seis operações de combate a incêndios florestais em unidades de conservação do estado. As altas temperaturas e a baixa umidade relativa do ar têm criado condições propícias para a propagação das chamas, que têm se alastrado rapidamente pelas regiões afetadas.
Entre as áreas mais impactadas estão o Parque Estadual Serra do Brigadeiro, a Reserva da Vida Silvestre Macaúbas, o Monumento Estadual Gruta Rei do Mato, o Parque Estadual do Itacolomi, a Serra da Gandarela e o Parque Estadual Serra do Papagaio. No Parque Nacional da Serra do Cipó, em Santana do Riacho, o fogo já consumiu mais de 6 mil hectares, sendo 5.879 hectares da Área de Proteção Ambiental (APA) Morro da Pedreira e 478 hectares do Parque Nacional da Serra do Cipó. Brigadistas do ICMBio, voluntários e militares do Corpo de Bombeiros conseguiram controlar o incêndio, mas o trabalho de monitoramento e vigilância continua, pois ainda existem áreas com alto risco de reignição.
O tenente Henrique Barcellos, porta-voz do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, orientou que, apesar da gravidade da situação, ainda não há necessidade de evacuação, mas alertou para a importância de seguir as orientações das autoridades. “É preciso ficar atento às orientações do Corpo de Bombeiros e, em caso de emergência, ligar 193”, disse em vídeo publicado nas redes sociais.
Análise exclusiva: quando o foco queima mais do que a paisagem
Consultado pelo 100PORCENTOAGRO, o professor e pesquisador do SolloAgro/ESALq, Diego Siqueira, trouxe uma visão crítica e profunda sobre os impactos dos incêndios, destacando aspectos muitas vezes ignorados pela sociedade. Segundo o pesquisador, a média de incêndios no interior de São Paulo chegou a 80 focos por hora, índice maior do que os anotados no Pantanal e da Floresta Amazônica.
Em seu perfil no LinkedIn, Siqueira cita, além das perdas visíveis, como a destruição de propriedades, vegetação e fauna, os incêndios provocam mudanças invisíveis e extremamente prejudiciais no solo. “Sentimos na pele, nos olhos e nos pulmões os efeitos dos gases, enxergados resumidamente como a densa fumaça, mas as transformações no solo são silenciosas e têm um impacto profundo em nossas vidas”, alertou.
Siqueira explica que o solo, quando exposto a incêndios de grandes proporções, perde sua função ecossistêmica, um processo que pode gerar prejuízos econômicos significativos. “O prejuízo na função ecossistêmica do solo pode chegar a mais de R$ 20 mil por hectare ao ano, quando atinge florestas nativas tropicais”, destacou, citando estudo da EMBRAPA. Essa perda refere-se à diminuição da capacidade do solo em manter a biodiversidade, regular o ciclo da água e dos nutrientes, e suportar a produção agrícola sustentável.
O professor também chamou a atenção para a complexidade dos incêndios, diferenciando-os de outras formas de queima. “É essencial entender a diferença entre eventos extremos causados por mudanças climáticas, queimadas e incêndios. As queimadas são uma prática agrícola milenar, enquanto os incêndios referem-se ao fogo não controlado em áreas de floresta ou vegetação, como estamos testemunhando agora”, explicou.
Para Siqueira, a destruição visível é apenas a ponta do iceberg. As alterações químicas e físicas no solo resultantes dos incêndios podem levar anos, senão décadas, para serem revertidas, impactando a produtividade agrícola e a regeneração dos ecossistemas. “A fumaça que todos veem é o menor dos nossos problemas. As verdadeiras transformações estão ocorrendo sob nossos pés, e poucas pessoas entendem o quanto isso pode afetar a vida no futuro”, concluiu.
A crise atual, com incêndios devastando especialmente São Paulo e Minas Gerais, expõe a necessidade urgente de medidas preventivas e de recuperação. As autoridades, junto com a comunidade científica, precisam unir esforços para desenvolver estratégias eficazes que protejam o solo, o meio ambiente e a saúde pública. O investimento em educação ambiental, tecnologias de monitoramento e programas de recuperação de áreas degradadas será fundamental para evitar que tragédias como essa se repitam.
Diego Siqueira enfatizou a importância de uma abordagem multidisciplinar, que considere não apenas as consequências imediatas dos incêndios, mas também os impactos a longo prazo no ecossistema. “Precisamos de políticas públicas que olhem além do óbvio e que sejam capazes de mitigar os efeitos desses desastres de forma sustentável e eficiente”, afirmou.
Enquanto as chamas continuam a ser combatidas, a reflexão sobre as responsabilidades e a necessidade de ações concretas para proteger os recursos naturais e as populações afetadas deve guiar os próximos passos das autoridades e da sociedade civil.